sexta-feira, julho 29, 2011

esse peso não cabe no poema...

_ o peso do nada _








descobri que sou parca de fé.
minhas preces desconhecem o caminho do céu, guardo um travo na língua quando rogo misericórdias.

descobri que os milagres só acontecem na casa do vizinho.
carrego os vazios do mundo, a fome dos desesperados como uma facada no meio do peito.

a rigidez da morte carrego cravada em minhas retinas, porque é assim mesmo, algumas realidades mancham nossos olhares como borrão.
as cores que existem não me encantam mais.

na poltrona da sala,um corpo invisível roga clemência, enquanto segura dores e engole antepassados silêncios. seus dias definham por asfixia selvagem.

na secura do tempo suas mãos atadas ao nada, os olhos vendados no medo.

impotente, ainda respiro o ar possível no descortinar dessa manhã ventando nas janelas, mas nada disso me conforta, apenas mastigo a dor junto aos insetos assassinados pela noite no meu terraço.

o dia me dói nas vértebras, na carne, nos pulmões.

no estômago o inatingível oco, vindo da certeza dessa vida fugaz, desse sopro sem chão, onde tudo se esgarça.

o cheiro da morte se espalha pelos corredores, pelos vãos da porta, pelos livros assustados na estante, e se agarra nas fendas e margens da casa: - cheiro que arde, de qual nenhum esconderijo é refúgio.

tudo já é ausência, no quarto, nas taças de cristal, no cálice de licor, na tez a me fitar em seu instante derradeiro.

esse peso não cabe no poema, talvez entre o preto e o branco, talvez no miolo de coisa nenhuma.


nAnadeabrãomerij

2 comentários:

  1. Literalmente belo.Perfeito: a dor que sentimos , a impotência diante das perdas.
    Maria Zélia Baeta

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  2. Esse poema me mata de emoção.
    Belvedere

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Obrigada!
nanamerij