descobri que sou parca de fé.
minhas preces desconhecem o caminho do céu, guardo um travo na língua quando rogo misericórdias.
descobri que os milagres só acontecem na casa do vizinho.
carrego os vazios do mundo, a fome dos desesperados como uma facada no meio do peito.
a rigidez da morte carrego cravada em minhas retinas, porque é assim mesmo, algumas realidades mancham nossos olhares como borrão.
as cores que existem não me encantam mais.
na poltrona da sala,um corpo invisível roga clemência, enquanto segura dores e engole antepassados silêncios. seus dias definham por asfixia selvagem.
na secura do tempo suas mãos atadas ao nada, os olhos vendados no medo.
impotente, ainda respiro o ar possível no descortinar dessa manhã ventando nas janelas, mas nada disso me conforta, apenas mastigo a dor junto aos insetos assassinados pela noite no meu terraço.
o dia me dói nas vértebras, na carne, nos pulmões.
no estômago o inatingível oco, vindo da certeza dessa vida fugaz, desse sopro sem chão, onde tudo se esgarça.
o cheiro da morte se espalha pelos corredores, pelos vãos da porta, pelos livros assustados na estante, e se agarra nas fendas e margens da casa: - cheiro que arde, de qual nenhum esconderijo é refúgio.
tudo já é ausência, no quarto, nas taças de cristal, no cálice de licor, na tez a me fitar em seu instante derradeiro.
esse peso não cabe no poema, talvez entre o preto e o branco, talvez no miolo de coisa nenhuma.
nAnadeabrãomerij
Literalmente belo.Perfeito: a dor que sentimos , a impotência diante das perdas.
ResponderExcluirMaria Zélia Baeta
Esse poema me mata de emoção.
ResponderExcluirBelvedere