_ imponderável_
o vento arrasta os lixos noturnos
leva nas suas asas versos de sangue-sujos
e, a poesia chora as vergonhas do mundo
deus anda, desanda e vem
pelas ruas de uma noite comprida
a reter o dia novo entre seus desígnios
assim como faz com a prometida redenção em cristo
uma criança geme na calçada com febre, fome e frio
com seus olhos já gastos a mirar ocasos sem abrigos
homens crucificados nas esquinas e marquises
dormem como sobras de ontem, restos da vida:
-sina?
os carros passam em disparada
escarram no asfalto, cospem no meio fio
as bocas de enormes latas de lixo são reviradas
por baratas, por ratos, pelas unhas dos mendigos
mas, deus caminha ereto com seus passos de rei perdido
pela madrugada torta, sobrevoa meio alamedas desertas
sob as luzes de neon folheia as noticias do amanhã:
- prostitutas e gays serão assassinados na avenida atlântica
- mulheres estarão a parir natimortos nos hospitais sem portas
- prantos permanecerão jorrando por mil mortos nas veias de áfricas
- alcateias de ladrões à espreita preparando-se para matar novos turistas
- acordos sobre o fim das bombas nucleares firmados com letras d’águas
ele sabe, ele conhece, ele escuta, mas permanece esquecido
o vento junto com os lixos noturnos arrasta sonhos perdidos
resta:
-um poeta e seu poema mudo, resta seu grito: impotente - vazio!
nAanadeabrãomerij
Impassível é como vejo....quem?
ResponderExcluirBjs
Bel
Um poema denso- pleno de verdades .Bem conseguido. Parabéns!
ResponderExcluirEm pleno século XXI, "(...) as bocas de enormes latas de lixo são reviradas/por baratas, por ratos, pelas unhas dos mendigos (...)", há inúmeros regimes corruptos, as organizações internacionais estão mais preocupadas com interesses económico-financeiros do que em salvar a vida de milhões de pessoas que morrem de fome no Nordeste Africano e noutras partes do mundo... Por isso, o grito-denúncia do Poeta torna-se cada vez mais urgente e necessário. "(...) Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco/E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo" (Sophia de Mello Breyner).
ResponderExcluirParabéns, Ana Merij, pela contundência dos seus Poemas e pela legibilidade que não se opõe à qualidade.
Um abraço
Maria João Oliveira