sábado, agosto 20, 2011

Perversos espelhos, cruéis todas as íris que me refletem...

_   desnecessIdades  _


Hoje acordei com vinte anos. Falsos os espelhos que me emolduram. Nem bem comecei a festa e já me dizem da hora final. Nem resolvi o que vou ser quando crescer, não terminei meus sonhos, não completei meus amores, não provei todos os sabores.

Perversos espelhos, cruéis todas as íris que me refletem, porque mentem, porque mascaram a menina que ainda sou nesta mulher madura, apenas cantada nos versos de um poeta louco, que disse um dia:- a mulher madura está pronta para algo definitivo.

Não eu, poeta!

As memórias que carrego foi a história quem contou, nada vi de Pearl Habor, meus seios ainda nasciam quando 64 se escrevia em letras de horror, se gemia era por eles, pequeninos e atrevidos, estufando minha carne quase criança.

E me dizem assim, sem dó – sem piedade: que a hora dos beijos ardentes, acabou?

Não é justo!
Não é justo constatar pálpebras marcadas nos meninos que amei, perceber a calvície nos homens que desejei fortes e másculos, hoje flácidos, dolentes entre os sossegos de velhices.

Quando foi que me desatei do tempo? Os meus vinte anos estão retidos onde?

Tudo se mistura: passado e futuro uma só estação, retornâncias nascidas da senilidade, ou brava resistência para nunca envelhe [S] cer?

Acho que sim, acordo me querendo ontem e assusto-me com o tempo gravado no riso que revela linhas em minha face, nas estrias riscadas no meu corpo, no opaco que tingiu o brilho de meus olhares, na vagareza de meu andar.

Sou esta mulher  estranha e desconhecida de mim, gritando na insônia meio ao linho das madrugadas, esticando as mãos para agarrar os sonhos descendo pelo ralo da vida, as carnes maceradas pelos trancos dos anos, que nem vi passar.

Espanto-me em flanar despercebida diante os olhares do mundo, fêmea invisível.

Desejo um assobio, um galanteio, um suspiro, mesmo que seja do moço sobre a escada, lavando as vidraças de meu prédio.

Ainda me quero alvo de assédios.

Existir sem perceberes traz um sentimento de morte em efígie, machucando a feminilidade que permanece inteira e plena dentro de mim.

Não cederei às desistências, quero ser cobiçada, quero deixar um rastro de perfume em cada esquina... e não ser apenas uma anônima mulher que passa pela calçada, como se passasse nada.

Frases de efeito não me confortam: sabedoria vem com a maturidade? 
Mentira: vem sim,  uma louca e doída vulnerabilidade.

Acometem- me todos os medos, as perdas vão ficando maiores e catalogadas.

Betinho, o menino do primeiro beijo, partiu. Maduka definhou na quimioterapia por um câncer de mama, João Carlos não resistiu ao aneurisma, Chico sequer disse adeus, Jacinto, apesar de mil promessas, virou horizonte... Estão partindo todos.

Minha gente morrendo, à revelia da ciência que nos garante acréscimo de anos, que definiu novas marcas para a tal de terceira idade. [Odeio esta etiqueta inventada].

Recuso tamanha e falsa generosidade. Renego o estar pronta para algo definitivo. Não estou e nem quero estar.

Pronta estou sempre e somente para a incomensurável capacidade de amar. E se querem saber, não vejo poesia alguma nos "entas". Detesto a placidez instalada nos meus gestos, a tolerância que os anos gravaram sem minha outorga, neste jeito plácido de estar.

Ainda desejo nadar nua sob quedas d'água, rolar corpos em capins rosa - chá, soltar meus cabelos ao vento, pegar meu homem pelas mãos e viver noites de kamasutra.

Ainda quero desbordar.

Na Praça de Siena já adejei com andorinhas.

Não quero ser uma doce e sábia anciã.... por favor me detenham, antes que chegue lá.

Como derradeiro consolo, aceito a conquistada prontidão para ir à Grécia, independente deste insuportável madurar!

nAnadeabrãomerij


2 comentários:

  1. Nana, só Vc. amiga, para dizer tào bem sobre o madurar, e ainda o faz poéticamente.
    Querida, o tempo é generoso com Você, continua lindaaaaaaaaaaaa...como sempre foi!
    Bjs, Maria Elvira-BH

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  2. O que dizer....adoravelmente perfeito!
    Fátima-JF

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Obrigada!
nanamerij