LINHAS SEVERINAS
[CandidoPortinari-Retirantes]
É no amor demais que escrevo.
Do corpo expulso todas as vozes retidas, e os traçados das agonias. A alma insiste em perseguir palavras fugidias, deixo-a de lado e sigo com as falas dos sentidos.
Os Poetas fecundam escritas fartas, fazem versos precisos de exatas rimas, todos nascidos bentos, vingados em glória. De parcas letras pego o verbo pelas ruas, cato as sobras que deixaram nas esquinas.
Digo apenas do que me rasga o peito, dos incomodamentos, das dores fincadas no colo do útero dessa minha vida miúda.
Escrevo pra ocupar vazios, calar os gritos das gentes que se juntaram em mim- uivando, à revelia das rotinas de lua-cheia, misturados nas minhas entranhas, inseridos em cada canto dos meus caminhos.
Carrego nome pequeno que me deram por batismo, nele todos os nomes se emendam, aproveitando o encurtamento-grudam não como acessório, mas matrizes, transformadas em células vivas.
Meu mundo é dos inconformados e confundidos, não busco por destino as páginas de livros, as cores das palavras - empresto das tintas de mil ventres que carrego.Só careço de papel e lápis para desenhar minha escrita.
Vou pegar cadeira e mesa, levar matula, sentar na Praça dos Paraíbas, matizando cartas, bilhetes, recados de saudades, mascarando dores, fomes e misérias, com singelas mentiras.
Vou contar que a vida vai boa demais, que o Rio de Janeiro é uma maravilha, que as lajes dos puxadinhos foram batidas no final de semana e todos se achegaram como nas procissões do Padim Cícero.
Dizer que os Raimundos encontraram biscates, que Marias conseguiram faxinas, que os meninos tão ficando alegrinhos e sabidos nos aprendizados de ofícios.
Que no Natal seguirão verdes, pintados dessa esperança tinhosa e atrevida, em Santa Romaria, levando economias suadas, e mimos comprados nos barateamentos das ruas atropelantes do Saara.
Tudo embrulhado na macabéa inocência dessa minha gente Severina.
Para minhas mal traçadas linhas, nenhum outro carecimento é devido que não seja tal sina.
nAnadeabrãomerij
Nana,
ResponderExcluir"Os Poetas fecundam escritas fartas, fazem versos precisos de exatas rimas, todos nascidos bentos, vingados em glória. De parcas letras pego o verbo pelas ruas, cato as sobras que deixaram nas esquinas."
Veja, querida:
"Mesmo sem querer fala em versos
Quem fala a partir das emoções"
João Cabral de Melo Neto
Parabéns pela beleza de suas "linhas severinas".
Beijos,
Eliana Crivellari-BH-MG
Querida, uma prosa valiosa, bem elaborada, e um tema contundente belíssimamente retratado.
ResponderExcluirBjs, Val