sábado, abril 07, 2012

Estamos no século XXI e assistimos, ainda, esta apropriação bestial do conceito de guerra justa...

Existe o direito humano  à guerra?


“Eu via no universo cristão uma leviandade com relação à guerra
que teria deixado envergonhadas as próprias nações bárbaras.
Por causas fúteis ou mesmo sem motivo
se corria às armas e, quando já com elas às mãos,
não se observava mais respeito algum
para com o direito divino nem para com o direito humano,
como se, pela força de um édito,
o furor tivesse sido desencadeado sobre todos os crimes”

Hugo Grotius, “O Direito da Guerra e da Paz”, 1625.

“Hugo Grotius (1583-1645), pai do direito internacional moderno, foi herdeiro da tradição humanista e cosmopolita da filosofia estoica, que formulou, pela primeira vez, a ideia de uma sociedade internacional solidária e submetida a leis universais”. Mesmo sendo cristão e teólogo, Grotius desenvolveu a tese que estas leis universais faziam parte de um “direito natural comum a todos os povos… tão imutável que não poderia ser mudado nem pelo próprio Deus”. Para o jurista holandês, à segurança e à paz faziam parte destes direitos fundamentais dos homens e das nações.

Apesar disto, Grotius considerava que o recurso à guerra também era um direito natural dos povos que viviam dentro de um sistema internacional composto por múltiplos Estados, desde que que a guerra visasse “assegurar a conservação da vida e do corpo e a aquisição das coisas úteis à existência”. Mas Grotius não concebeu nem defendeu a possibilidade de uma guerra que se propusesse como objetivo a defesa ou promoção internacional dos próprios direitos humanos. Em parte, porque ele era católico, e conhecia a decisão do Concílio de Constança (1414-1418), que fixara a doutrina da ilegitimidade da “conversão forçada”, e de todo tipo de guerra visando à conversão de outros povos, como tinha sido o caso das Cruzadas, nos séculos anteriores.”.

Estamos no século XXI e assistimos, ainda, esta apropriação bestial do conceito de guerra justa, em nome dos direitos do estado [tal como da conversão forçada] justificando e legitimando o extermínio do homem pelo homem, em novas tipologias de cruzadas: os mais fracos subjugados pelas potencias dos países de maior poderio econômico, que se unem para estimular [em nome de uma justiça subvertida] derramas em diversas nações, onde apenas os inocentes tombam na busca de uma liberdade utópica.

Este também o motivo pelo qual a discussão sobre Direitos Humanos, no campo internacional, transformou-se, num terreno mascarado de boas intenções, porém estabelecido pelo oportunismo e pela hipocrisia.

Inegavelmente o conceito alardeado de que a defesa do princípio geral de libertação, como mote maior destes Países em prol do direito democrático dos povos sob tiranias- é uma farsa. Impera sim, a arrogância de Estados e governos que se atribuem o “juízo supremo” de decidir e difundir, pela força, a tábua milagrosa da salvação daqueles que fragilizados pela opressão, são subliminarmente doutrinados para o ódio-extremo e fortemente armados pelos Blocos Ocidentais, não para sua própria e legitima libertação, mas sim para atendimento de interesses torpes, por mais e mais poder: os Fortes engolindo os Frágeis!

Não importa que Vidas Inocentes [e são milhares e milhares] tombem sem alcançar seus sonhos libertários, importa sim, dominar, invadir e tomar posse de suas riquezas.

Para compreender os motivos que levam a disseminação das guerras, leia-se o filósofo iluminista Immanuel Kant,  entre a sua utopia de uma “paz perpétua”, e o seu desejo entorpecido de converter o “gênero humano” a “ética internacional civilizada”.

Para Kant “no grau de cultura em que ainda se encontra o gênero humano, a guerra é um meio inevitável para estender a civilização, e só depois que a cultura tenha se desenvolvido, será saudável e possível uma paz perpétua”.

Na prática, para entender como se desenvolvem estas “guerras kantianas”, basta observar o caso mais recente da intervenção na Líbia, iniciada por um governo francês de direita e em estado de decomposição, seguido por um governo inglês conservador e absolutamente inexpressivo e por um governo norte-americano ameaçado por graves dificuldades internas. Tudo começou sob o aplauso internacional de quase todos os defensores dos direitos humanos, de direita e de esquerda, que consideravam se tratar de um caso indiscutível de “guerra legítima”, feita em nome da defesa de uma população agredida e desarmada.

Mas já agora, depois das mil e mil e mil...e mais mil mortes, de lado a lado, cada vez mais claro :o que está em questão não é o direito à vida e à liberdade, nem tampouco a promoção de uma democracia universal. Vejamos: ao mesmo tempo, e na medida em que a Primavera Árabe se estende [hoje na Síria, amanhã- quem sabe?] fica claro o exercício militar tendencioso de implantação de suas bandeiras para uma intervenção futura mais ampla e dominante, destas forças econômicas em cada uma das Nações estraçalhadas.

Não é de ferir suas consciências o passado de sangue e fel derramado sobre África, são insaciáveis , e a história genocida não lhes pesa, querem mais e mais, e avançam sem nada temer, solidificando cada vez mais seus propósitos e projetos assassinos.

Sentam-se à direita e votam “inocentes úteis” defensores do princípio da Paz possível; à esquerda, os países que se utilizam do seu apoio, sob “virtuosa [?]” retórica, para projetarem seu poder e sua estratégia geopolítica de soberania, a qualquer custo, através de “guerras pseudo-humanitárias”, promovidas ou lideradas invariavelmente pelos mesmos países que compõem a atual “cátedra ética do mundo”, comandada pelos EUA.

Neste dia em que rememoramos a Crucificação de Cristo, vemos milhões e milhões de Cristos diuturnamente crucificados: são jovens, são mulheres, são crianças, cujo sangue Eles tomam e bebem em banquetes pagãos, beijam as faces dos Vitimados- qual Judas Iscariotes , movidos por suas ambições vorazes, não por 30 moedas, mas pelo ouro negro que dos  solos pisoteados, jorra.

Aos genocídios em massa fecham os olhos, somente o lucro advindo das Nações vulnerabilizadas [por Eles], importa.

Não com as guerras, que se faz a Paz !

[O Homem é o único primata que promove o extermínio  de sua própria espécie.]


7 comentários:

  1. Parabéns a Literacia, Parabéns Merij pelo brilhante artigo.
    Vc. é demais!!!!!
    Alberto Rattes-RJ

    ResponderExcluir
  2. Nana,
    Parabéns pela excelência do seu mais que oportuno artigo.
    E quero dizer-lhe que compreendo muito melhor os ateus agora.
    Conversando e sendo bastante agredida por alguns, vim depois a compreendê-los:
    não, não é a Deus que eles execram, mas aos que
    dizem crer em Deus, e fazem exatamente tudo o que você acabou de publicar, e que vem a ser a negação de Deus.
    Tudo fica mais grave, como você apontou, por estarmos em pleno século XXI, assistindo a barbáries que de há muito eram para estar banidas da face da Terra.
    Homens de corações endurecidos, que não usem o nome de Deus para justificarem suas perversidades.
    Obrigada, Nana, por cada uma de suas sábias palavras - denúncias que não comportam omissões
    de nossa parte.
    Esteja Filipa onde estiver- não posso me esquecer dela, e não o faço - estará muito feliz
    por ver o trabalho por você brilhantemente continuado.
    E que continue, continue, continue, enquanto necessário se fizer.
    Deus nos proteja a todos dos abutres e das aves de rapina que dizem agir no nome d'Ele,
    beijos,
    uma Boa Páscoa,
    carinho,
    Eliana Crivellari

    ResponderExcluir
  3. Parabéns pelo artigo tão oportuno, Nana.
    Abs
    Belvedere

    ResponderExcluir
  4. Na verdade, estamos em pleno século XXI e o conceito de guerra justa subsiste. E há Prémios Nobel da Paz (?) que o defendem... No meu ponto de vista, não há guerras justas. Pode é ser necessário intervir, quando a tirania massacra, impunemente, um Povo, quando urge acabar com o "triunfo dos bárbaros", por exemplo. Intervir, se não houver outra alternativa e se as vidas dos civis forem poupadas. Porém, é
    necessário e urgente, sobretudo, que o Homem se empenhe em erradicar as causas da guerra. As Pessoas especiais sempre o fizeram. Elas disseram sempre "Não" ao ódio e à guerra. Souberam caminhar no escuro e enfrentar o risco, adoptando a não-
    violência, que não é a dos fracos e resignados, obviamente, mas sim, a não-
    violência dos fortes. Sempre souberam e sabem que " Não é com as guerras que se faz a Paz", como a Nana afirma. No entanto, quem não é uma pessoa de Paz, jamais fará a Paz. E, quando tem o Poder nas mãos, o resultado é, geralmente, a barbárie.
    Para cúmulo, os homens habituaram-se a ver morrer homens, todos os dias, chegando a aceitar a "moral" do assassinato, enquanto vão premindo, tranquilamente, os botões do comando do seu televisor...
    Obrigada, Nana, por tão elucidativo e pertinente artigo.
    Abraço
    Maria João Oliveira

    ResponderExcluir
  5. Nana, passei por aqui, de novo, para acrescentar o seguinte: a impressionante imagem que ilustra o seu artigo ficou gravada na minha retina. Devia fazer pensar o Homem, mas, infelizmente, ele ainda não deu o primeiro passo, para sair das "cavernas"...
    Um abraço
    Maria João Oliveira

    ResponderExcluir
  6. As minhas desculpas, Ana Merij, mas publiquei o meu comentário sobre a guerra, em local desadequado. Não sei se terei capacidade para remediar tal desatenção da minha parte! Estou desolada!

    Maria Luísa Figueiredo da Silva
    Portalegre-Portugal

    ResponderExcluir
  7. 24, 2012 04:18 AM

    Foi notável o modo como a Ana Merij abordou o tema da guerra. Um flagelo que atingiu a humanidade, desde sempre.Os povos, desde sempre se guerrearam. Pelos motivos mais fúteis se pegava nas armas, se matava, se massacravam populações inteiras.
    Com o evoluir dos tempos, a guerra revestiu-se de contornos diferentes: Sempre injusta mas, muitas vezes, em nome da Paz, paz que não era exercida, e em que milhares ou mesmo milhões de inocentes foram sacrificados, trucidados, quais peões de um tabuleiro de xadrez, ínfimas peças consideradas de menor ou nula importância.
    Como tudo na vida, também os objectivos da guerra continuaram evoluindo...Muitas vezes, em nome da libertação de povos oprimidos pela tirania dos seus chefes, se desencadeia um conflito. Mas será pelo amor dedicado a esses povos que ele se declara?... Infelizmente, não. Por detrás do altruísmo apregoado e tendo, como pretexto, altos mas inexistentes ideais, se treina e concretiza a chacina de populações indefesas...
    Gostei muito de a ler, Ana Merij. Os meus parabéns.

    Maria Luísa Figueiredo da Silva
    Portalegre-Portugal

    ResponderExcluir

Obrigada!
nanamerij